sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Quando uma mulher tira o rímel, o batom, a roupa
tira o sapato, senta na cama e chora
e nem mesmo é bonita nessa hora
você tinha de ver
que de repente ela fica tão sozinha
é um bicho assim tão desamparado
tão longe da paixão e do pecado
nem graça tem
se desmanchou o encanto.
ela virou de repente uma coisa tão pequena
que a gente olha e só fica com pena
não adianta fazer nada.

Bruna Lombardi. 
Olho minha aparência bem comportada
E vejo um rosto enfurecido
Uma cabeleira desgrenhada
Numa armação esquisita.
Olho minhas mãos envelhecendo
E vejo uma textura opaca
Veias sobressaltadas
Riscos de memórias.
Nos meus dentes escovados
Restos de minha própria carne.

Denise Magalhães

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Gosto das belas coisas claras e simples
e das complexas,  obscuras
- que pedem investigação -,  densas; intensas;
das grandes ternuras e acolhimentos amorosos
que  se dão depois de muitas conversas,
que facilitam a compreensão
ou dos breves silêncios, que os definem;
gosto de quase tudo que advém do encontro
entre as almas afins ou que sabem discordar
com argumentação e raciocício crítico...
Enfim, gosto do que me faz sentir eu mesmo
 e do que me faz outrar - transformar-me num  outro,
simultaneamente igual e diferente de mim.

Ricardo Koefender

quinta-feira, 9 de agosto de 2012


Que amor era esse
Que não saiu do chão?
Não saiu do lugar
Só fez rastejar o coração
Se eu disser que tive na mão
A bola do jogo, não acredite
Tententender minha ironia
Se eu disser que já sabia

[Pouca Vogal -Tententender]

Quase amores são cheios da falta de café na cama, juras de amor eterno, cena de ciúme, mordida no queixo, lutinha no carpete, banho de espuma, briga na casa da sogra, despedida em rodoviária, confusão de chinelos, chimarrão no meio-fio, troca de alianças, beijo na testa, orgasmo com choro e velhice compartilhada.

Gabito Nunes.

segunda-feira, 25 de junho de 2012


Lost weekend
Um dia é maior do que a soma
das suas horas, às vezes comporta
todos os invernos e as estações assombradas
pelos prejuízos do prazer.

Eu e tu, que desculpa ainda nos justifica?
A cidade não foi feita para as nossas pretensões,
está apenas alastrada por dentro de nós, crispação
de pedras e espinhos no laço desfeito entre as veias.

Adiantamos o corpo aos rolamentos da noite,
é a própria razão que nos ilumina os atalhos
para o esquecimento. Um ano inteiro não será suficiente
para tudo o que não nos acontece.



Rui Pires Cabral

domingo, 24 de junho de 2012

Foi assim que te perdi. ou que nos perdemos um do outro. porque tinhas te encontrado em mim. e tinhas encontrado casa no meu corpo. e gostavas de ficar ali, a visitar todos os recantos. a invadir cada pedaço de mim como se te pertencesse. e éramos vorazes. tu e eu. como feras que despertam famintas. a minha fome de ti que se nutria da tua fome de mim. e foi aí que nos perdemos. quando delicadamente disseste, querida. quando delicadamente eu disse, gosto de ti. quando a fome do corpo tornou-se tão intensa que era preciso ainda alimentar a alma. aquela que nunca deveria ter vindo parar a nossa cama. e delicadamente dissemos coisas um ao outro. trocamos mensagens. tu dizias, algumas vezes, não penses que desapareci. e eu sabia que estavas sempre ao pé de mim. mesmo do outro lado do mundo. a distância dos corpos tornou-nos amantes. e isto não cabia entre nós. a vontade de um abraço. a vontade de ficar ali, enlaçados. de delicadamente passar as mãos em teu rosto e sentir a tua pele a tocar a ponta dos meus dedos. e foi aí que te perdi. enquanto meus dedos percorriam teu corpo, suavemente. e vi-te desaparecer. já não me dizias nada. o que havia entre nós, o que nunca houve entre nós. o espaço entre nós. que delicadamente galgamos a procura um do outro. pena que nos deixamos perder pelo caminho. e o tempo passou.


Retirado do blog: http://amulherdolado.blogspot.com.br/

Adorável é o vestígio fútil de um cansaço, que é o cansaço da linguagem. De palavra em palavra me esforço para dizer de outro modo o mesmo da minha Imagem, impropriamente o próprio do meu desejo: viagem ao término da qual minha última filosofia só pode reconhecer - e praticar - a tautologia. É adorável o que é adorável. Ou ainda: adoro você porque você é adorável, ou te amo porque te amo. Assim, o que fecha a linguagem amorosa é aquilo mesmo que a instituiu: a fascinação. (...) Ao atingir a extremidade da linguagem, lá onde ela não pode senão repetir sua última palavra, como um disco arranhado, me embriago de sua afirmação... (adorável. não te conseguiria definir de outra forma. adorável porque me fascina, porque me fascino. adorável porque és meu desejo, a imagem do meu desejo feita carne. a imagem que adoro, mesmo quando é só imagem. e só desejo. e a linguagem se esgota porque já não sei como te dizer uma vez mais: adorável).
Fragmentos de um discurso amoroso
Roland Barthes

Eu não sei dizer. nem quero dizer. e mais ainda, sei que não devo dizer, ou pensar sequer no que eu sinto. o amor é ridículo, bem sabemos. porque é excessivo, desavergonhado, incontido. porque não pede desculpas, nem dá boa noite. chega e vai ficando por ali, mesmo quando não é chamado. enfia-se onde não deve, mete-se nas conversas, toma conta dos assuntos. de repente, sem darmos por isso, ele acomoda-se na sala de estar e com os pés confortavelmente instalados na mesa decide que vai ficar. e nem foi convidado, veja bem! seu nome não consta da lista. ou melhor, deveria constar daquela que diz: persona non grata. confesso que não o chamei. porque até nomeá-lo foi algo que evitei anos a fio. dar nome as coisas é dizer que elas existem, é pari-las. pensamos que ao não pensar nas coisas podemos evitá-las. pensamos que ao pensar nas coisas podemos apagá-las com a razão. pensamos que somos lógicos e coerentes. pensamos tanta coisa. tudo para não pensar no inaudito. no inesperado. porque tememos o ridículo. o excesso. porque somos contidos e racionais e lógicos. porque sabemos que não devemos. mas, mesmo sem querer dizer nada, o amor se diz. seja lá o que ele for. e chega, intenso ou de mansinho. e mesmo quando não sabemos o que fazer com ele, vai se deixando ficar. por ali, num cantinho talvez. à espreita. a espera. é melhor mandá-lo embora, bem sei. abrir as portas e dizer: sinto muito, não foste convidado. faça o favor de partir. mas ele diz, olha que nem incomodo nada. sabe-se lá. o certo é que já não consigo fugir. fechar a porta. trancar-me por dentro. porque abriu-se em mim este espaço em que cabes tão bem. como uma anfitriã educada só me resta dizer: a casa é tua. espero que te sintas confortável aqui.



Retirado do blog: http://amulherdolado.blogspot.com.br/
...
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.

Ana Cristina César

Para viver um grande amor
Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso - para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... - não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro - seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada - para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.
Para viver um grande amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fieldade - para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô - para viver um grande amor.
Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito - peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.
É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista - muito mais, muito mais que na modista! - para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...
Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs - comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica, e gostosa, farofinha, para o seu grande amor?
Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto - pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente - e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia - para viver um grande amor.
É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que - que não quer nada com o amor.
Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a bem-amada - para viver um grande amor.
Vinicius de Moraes


Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
(...)
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.
(...)
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.
vinícius de moraes
eu acreditei que podia amar
teu corpo, o teu modo de insinuar o coração
nas palavras. mas era apenas a forma como a noite
sublinhava as superfícies, eu nunca pude atravessar
essa espessura. estavas ali para te dispores aos meus sentidos
mas crescias fora do alcance no teu próprio 
pensamento. uma distância que só serviria 
aos lobos, um mau caminho arrancado às fragas.

já só conhecia os dias onde tu os frequentava, o sítio
em que me mantinhas era mais urgente
que o sangue. sem dúvida que vinhas pelo meu desejo
mas eu perdia sempre alguma coisa
quando te ganhava. às vezes era só
a minha vontade, outras vezes era toda a frase do meu nome.

Rui Pires Cabral.

Estive hoje pensando como mudei. Por um tempo achei que ficaria daquele jeito para sempre: vazia e comum demais. Não conseguia olhar as coisas com sentido e nem acreditar que a vida um dia viesse a me lançar nesse redemoinho, quebrando todos os meus calços, e como num golpe violento , me pusesse tão imperfeita e frágil, nas mãos de um destino, sobre a fúria final de uma hibernação, consumindo toda minha loucura. Sem imunidade, tão crua, como um sangue que acabara de nascer, respirei entontecida por aquele olhar que me refletia pela primeira vez. Me atirei : meu mundo naquele mundo,fundiu-se compativelmente num instante único, entrelaçados nos corpos, sobre a sintonia do coro que duetava nossos beijos. Era doce como licor. Irresistível como a veste vermelha da maçã. É meu pecado,meu menino. Meu ninho, meu lugar confuso. Não questionei se aquilo pudesse ser o melhor pra minha vida, porque todas as escolhas "certas" que havia feito, na verdade, sempre foram mortas. Eu precisava era de algo que me reacendesse. Que desencontrasse do que eu já havia sido. E tudo assim mudou: por ele arrisquei, me revirei ao avesso, delirei de amor, suportei o ódio, engoli o tédio, perdoei, sonhei,sonhei...Nele está o poço que chorei e o jardim que sorri.Ele me rouba, sem sentir, e eu só queria sê-lo também, com o mesmo poder que ele tem; a qual fere e depois contém, com uma facilidade que me perturbaTenho renascido todas as manhãs, com uma força sobrenatural, que de certo deva existir sobre as almas que amam e sofrem; que se desintegram instintivamente só para ter teu amor por inteiro, egoísta e louco. E se é que inteiro exista, continuo juntando (meus,nossos) planos, nessa guerra desenfreada de sentimentos, onde tormentas se repetem, por uma sede,so sad, de querer ser a única razão da vida dele. E porque acredito, ainda insisto pertencer.

Patty Vicensotti
Porque a vida vem de enxurrada,
a felicidade é líquida
a saudade,
gasosa
e a poesia
é o que nos resta

Mara Faturi

amor que chega
abraça e beija
louvado seja
 
Mário Pirata
Dia e noite são me iguais
Se tu chegas amanhece
Fica noite se tu vais...
Os meus olhos são de cego
Para que de ti se aparte
Só em te ver os emprego
Mal me bastam para olhar-te

Vicente de Carvalho

sábado, 16 de junho de 2012

Gravura-Nanda Corrêa



Iris
And I'd give up forever to touch you
'Cause I know that you feel me somehow            
You're the closest to heaven that I'll ever be
And I don't want to go home right now
And all I can taste is this moment
And all I can breathe is your life
And sooner or later it's over
I just don't want to miss you tonight

And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am

And you can't fight the tears that ain't coming
Or the moment of truth in your lies
When everything feels like the movies
Yeah you bleed just to know you're alive

And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am

And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am
I just want you to know who I am
I just want you to know who I am
I just want you to know who I am


Íris
E eu desistiria da eternidade para te tocar
Pois eu sei que você me sente de alguma maneira
Você é o mais próximo do paraíso que já estarei
E eu não quero ir para casa agora
E tudo que posso sentir é este momento
E tudo que posso respirar é a sua vida
E mais cedo ou mais tarde se acaba
Eu só não quero ficar sem você essa noite

E eu não quero que o mundo me veja
Porque eu não acho que eles entenderiam
Quando tudo é feito para não durar
Eu só quero que você saiba quem sou eu

E você não pode lutar contra as lágrimas que não virão
Ou o momento de verdade em suas mentiras
Quando tudo se parece como nos filmes
É, você sangra apenas para saber que está viva

E eu não quero que o mundo me veja
Porque eu não acho que eles entenderiam
Quando tudo é feito pra não durar
Eu só quero que você saiba quem sou eu

E eu não quero que o mundo me veja
Porque eu não acho que eles entenderiam
Quando tudo é feito pra não durar
Eu só quero que você saiba quem sou eu
Eu só quero que você saiba quem sou eu
Eu só quero que você saiba quem sou eu
Eu só quero que você saiba quem sou eu


Goo goo dolls.
Vídeo PERFEITO!

terça-feira, 12 de junho de 2012


Sinto abalada minha calma,

Embriagada minha alma,

Efeitos da tua sedução

Cartola.

Porque te amo, 

é que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente  
E por isso talvez 

Te aborreças de mim.

Hilda Hilst.
[...]
São os feios e os estúpidos que levam a melhor parte deste mundo. Podem sentar-se à vontade e bocejar durante a apresentação. Se não sabem nada da vitória, é-lhes pelo menos poupado da derrota. Vivem como todos deveríamos viver, imperturbados, indiferentes, sem inquietação. Não são causadores da ruína dos outros nem nunca os atinge a ruína vinda por mãos alheias. Você, Harry, com a sua posição e a sua beleza; eu, com os meus miolos, sejam eles como forem, e com minha arte, valha ela o que valer; Dorian Gray, com sua beleza; todos nós havemos de sofrer, sofrer terrivelmente, pelo que os deuses nos concederam [...]


Oscar Wilde- O retrato de Dorian Gray.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

[...]
Minha estratégia é
que um dia qualquer
não sei como nem sei
com que pretexto
por fim me necessites.


Mario Benedetti
"Procuro nos búzios e no horóscopo o resto da minha dignidade. Tento ser mais cética, mais durona, mas sou totalmente tendenciosa quando alguma coisa diz que eu posso ser feliz. É sempre mais fácil culpar o autosabotamento com signos do zodíaco ou algo que se preze, do que entender que você, independente de onde marte esteja neste exato momento, gosta de arrancar as próprias penas apenas para ver aonde dói. 
Gosta de se cutucar para ver aonde sangra, aonde incomoda, que parte do seu corpo sente mais falta dele, em que momento do dia você perde a razão, fica sem ar, o porquê grita tanto internamente ao ponto que se deita exausta de tanta coisa que é sua, mas que você não sabe lidar, e por isso é fácil apelar para o impalpável e para todas as superstições existentes para que tirem a culpa que você carrega de querer tanto ser como os outros, mas não é.
O amor que tanto se proclama, dessa busca e espera infindável, "que chegue e será bem vindo, que será esperado" que some em alguns meses, que se sobrepõe na esquina por um outro qualquer, por essa falta, esse buraco no estômago, essa fome de se sentir amado, de se sentir querido, de se sentir seguro, quando amor é nada além da sensação de estar caindo e não saber onde se segurar.
Porque eu nunca tive motivos para acreditar em nada que dure para sempre. Porque eu sempre fui tocada pelas mais diferentes formas de vida e por qualquer frase um pouco mais inteligente. Porque dói entender que a posição da lua não interfere no quanto eu morro um pouco todos os dias. Porque eu acredito em tudo e isso de não descartar nada, me faz voltar para casa depois de me apaixonar a cada esquina, e querer uma pessoa só... sempre a mesma.
Eu me machuco pra saber onde dói, mas hoje sei exatamente que parte de mim sente mais falta dele. Tudo."




Gustave Flaubert - Madame de Bovary
"Por favor não me analise
Não fique procurando cada ponto fraco meu.
Se ninguém resiste a uma análise profunda,
Quanto mais eu..
Ciumenta, exigente, insegura, carente
Toda cheio de marcas que a vida deixou
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor.

Amor é síntese
é uma integração de dados
Não há que tirar nem pôr
Não me corte em fatias
Ninguém consegue abraçar um pedaço
Me envolva todo em seus braços
e eu serei o perfeito amor."

Mario Quintana

"Eu quase que não sei nada. Mas desconfio de muita coisa."
Guimarães Rosa
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drumnond de Andrade
"Sou uma moça fina, porém, retardada!"
 
Jaya Magalhães
É como se eu sentisse um ciúme horroroso do meu livro predileto comprado em sebo, a dedicatória apaixonada que não é a minha, os resquícios do manuseio de outras mãos. Alguém corrompeu o trecho que eu mais gostava quando grifou à caneta algo que não pude apagar com borracha e que era tão secretamente meu. Desenhou corações onde só havia minha dor e eu discordei da interpretação alheia. E achei aquilo tudo de uma crueldade atroz. Mas permaneci com o livro no colo, cheia de um afeto confuso por ele: afeto pelo que era, angústia por já ter sido de outro alguém, e aquela sensação (imbecil) de falta de exclusividade. Eu que sempre achei que tudo é e está para o mundo.Perdoa o meu senso de autoimportância, já que não consigo perdoar o meu egoísmo.Eu sei que em alguns presentes, no embrulho, laços do passado são aproveitados. Eu só queria que eles não fossem tão vermelhos: desses que doem nos olhos e no coração.
 
Marla de Queiroz
 
"Tenho tanta fé em mim, tão pouca crença em ti e uma insignificante esperança em nós."

Retirado do blog http://diariosdeumadesconhecida.blogspot.com.br
"Ok, não vou mentir, tenho sentimentos de estimação por você. Mas estou deixando de
alimentá-los. Um dia eles morrem."
Gabito Nunes


Não quero soar como aqueles seus ex-namorados controladores ou sentimentais, mas dá pra ver no brio pálido dos teus olhos de sangue, que o mundo anda arrancando suas cutículas. Conte mais a respeito, te espero às sete, no último lamento do sol, antes de afogar-se no púrpura-laranja-escarlate do rio. Naquele mesmo banco latino-americano, no mesmo parque, encarando aquela estátua histórica que a gente ainda não descobriu quem está lá, montado no cavalo, para sempre. Traga cigarros, um sorriso improvisado e um pano pra grama que caiba nada mais que nós dois.
Hein. Não é bom saber que você tem um amigo que te ama mais que um amigo? Olha, eu sei que você andou cruzando esquinas a fim de uma pessoa que não era eu, só que não ligo. Essa coisa de orgulho e dignidade nunca foram comigo mesmo. E ainda que eles tenham levado pra longe tudo que você parecia ter de bom, eu não me importo de ficar com o amargo-azedo que restou. É mais do que tudo que já me pertenceu em quatro encarnações. Let me take you down e tirar seu vestido sujo de festa, deslizando alças e dois dedos em alguma rua púdica do teu corpo branco. Isso, claro, se você não apagar até lá.
Calma. Respira. Quieta e sem choro. A gente volta na trilha dos seus projetos que se perderam. E se nem com minha ajuda você conseguir achá-los, te deixo morar num dos meus – de todo jeito, minhas esperanças são como uma casa de espelhos que você não pode mover o pescoço sem se ver. Sabe, nunca me incomodou ouvir as coisas idiotas que você tem a dizer, mas se eu puder calar sua excentricidade falsa, se você for capaz de não fingir-se de oca por uns cinco minutos, será sua hora de me ouvir. Não interessa se o seu passado nunca foi de escutar ninguém. Olha pra mim. Às vezes não parece, mas você é adorável, garota. E se o mundo não tem dado a mínima pra você, o azar é do mundo, e não seu. E a sorte é nossa.
Você é. Uma letra que eu rabisquei na vontade da tua pele e agora não consigo cantar e executar a melodia na gaita-de-boca ao mesmo tempo, porque você é assim, mesmo em frangalhos ainda é tudo e demais pra mim. Ficar comigo na teoria pode ser mais doce que na prática, mas você vai se acostumar. Eu vou me acostumar. A gente se acostuma com tudo. Você vai ver. Esta noite estou a fim de dizer eu te amo. O que você acha disso? Então, você está comigo ou não? Negue e eu dou o fora, porque eu não aguento mais te ver desse jeito.
 
Gabito Nunes.

quinta-feira, 7 de junho de 2012





"Amor? È muito mais do que isso, meu bem. Você ainda terá que viver muitas vidas para compreender como se ama, acha que todo esse melodrama, toda essa obsessão pode ser chamada de amor? Isso é pura vaidade, quando se ama de verdade não é preciso passar por cima de si próprio, quando se ama e não dá certo a pessoa sofre com dignidade, sofre sozinho, sofre e sofre mais ainda por saber que tem que ser assim. Com você não, a vaidade não te deixa enxergar que não me tem mais, você é bom demais pra eu não te querer não é? Não, não é! Eu sou tão desgraçada quanto você, pois me deixei levar por esse falso encanto de almas gêmeas para a vida toda e sem nenhum defeito, havia defeito sim, defeitos podres, cada vez mais fedorentos e repugnantes. Inaceitáveis. Hoje tento me recuperar de você, dessa carga pesada que você me deixou, desses defeitos mesquinhos que tive o desprazer de constatar que um ser humano pode possuir. O fato é que eu vou sobreviver e viver bem melhor, já você, não sei. Tanto encanto para no fundo se mostrar o pior dos homens, tanto faz de conta, tanta gentileza, tanto você! Felizmente me toquei que isso não é amor nem aqui nem aí e no fundo você sempre soube disso melhor do que eu. O que sei é que aproveitei bem mais que você nessa história toda, aproveitei muito e não precisei fingir a maior parte do tempo como você teve que fazer. E sei que não fiz papel de imbecil ao acreditar em você, acreditar é um gesto nobre, imbecil é aquele que mente. Imbecil foi você que me perdeu."


Anônimo.
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.

Tenho muito mais passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço (...)
 
(...) Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
 
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, 

O essencial faz a vida valer a pena.
 
E para mim, basta o essencial!
 
 
Mário de Andrade

quarta-feira, 6 de junho de 2012


O amor é um rock,
e a personalidade dele
é um PAGODE.

Tom Zé.

Eu te amo
(Tom Jobim e Chico Buarque)

Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Ah, se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós, nas travessuras das noites eternas

Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão

Se na bagunça do teu coracão
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido

Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos

Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair
Não, acho que estás te fazendo de tonta

Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir
Ah!...
Tentei comer alguma coisa, mas não era fome. Aí comecei a ler um livro, mas não era tédio. Tava precisando de alguém, só podia ser isso. Então fiquei com um cara, mas não era carência. Ou era tudo junto, não sei. Só sei que as coisas me enchem ou me faltam demais e eu não consigo achar um equilíbrio. Não tô dando conta de mim e ninguém mais dá também. Ás vezes tenho um corpo, ás vezes uma alma, mas nunca os dois. E pela metade assim não me basta, pouco nunca me roubou a solidão. Na cabeça passam mil filmes, tenho milhares de conversas comigo mesma todos os dias, ensaio falas que nunca são ditas, quase enlouqueço. Ou já enlouqueci. O coração vai batendo cansado, sem motivo pra acelerar. Talvez eu precise de alguém pra ocupar os pensamentos e todo o resto. Talvez eu só esteja em crise e precise melhorar minha relação comigo mesma, me conhecer mais a fundo. Ou conhecer novas pessoas, sair da rotina. Só sei que eu preciso de alguma coisa e preciso pra ontem. Me tira dos dias iguais, da medida de sempre, caminho de sempre, do nada. Me tira da linha, que eu sei o caminho de volta. Quem sabe eu volte em breve ou não volte mais.

Aleeh Sant'anna.
(...)
Degustava diariamente pedaços de fins, acompanhados de variedades de vazios, em todos os tons de cinzas e pretos.

Erllen Nadine e Eder Fabrício.

terça-feira, 5 de junho de 2012

 "Agir, eis a inteligência verdadeira.
Serei o que quiser.
Mas tenho que querer o que for.
O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito.
Condições de palácio tem qualquer terra larga,
mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?."

Fernando Pessoa.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

"Sofrimento amoroso, a dor mais inspiradora e mais perversa.
Pois a profundidade do sentimento que acabou atinge camadas até então intocadas.
Não deu certo, e você tinha certeza que havia achado a pessoa da sua vida.
Mil desentendidos foram suficientes para acabar com tudo. E dói.
Porque, se é como um edredom de penas de ganso estar amando sendo amado,
o contrário é mesmo o miserável frio.
Paixão, a idiotice necessária.
Logo, primeiro se é um idiota, depois se ama e se entende estar sempre acompanhado.
Por baixo do edredom de penas de ganso, que é o estado amoroso.
Então os canais de comunicação se engarrafam.
Congestionam-se as veias.
Seu coração fica dilatado igual a coração de grávida.
A caixa toráxica torna-se pesada, a postura fica meio curva.
Você levanta e parece que continua com a cadeira colada à bunda.
Por fim, você corre sem sair do lugar."
 
Fernanda Young.

sábado, 2 de junho de 2012

 "O vício é a marca de toda história de amor baseada na obsessão.
Tudo começa quando o objeto de sua adoração lhe dá uma dose generosa e
alucinante de algo que você nunca ousou admitir que queria
- um explosivo coquetel emocional, talvez,
feito de amor estrondodo e louca excitação.
Logo você começa a precisar dessa atenção intensa
com a obsessão faminta dequalquer viciado.
Quando a droga é retirada,
você imediatamente adoece,
louco e em crise de abstinência
[sem falar no ressentimento para com o traficante que incentivou você
a adquirir seu vício, mas que agora se recusa a descolar o bagulho bom (...) ]
Triste você constata que venderia sua alma,
roubaria seus vizinhos só para ter aquela coisa mais uma vez que fosse".

Elizabeth Gilbert.
Escrever nem uma coisa
Nem outra -
A fim de dizer todas -
Ou, pelo menos, nenhumas.

Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.


Manuel de Barros.
O ideal seria uma menina boba:
que gostasse de ver folha cair de tarde...
Que só pensasse coisas leves que nem existem na terra,
E ficasse assustada quando ao cair da noite
Um homem lhe dissesse palavras misteriosas ...
O ideal seria uma criança sem dono,
que aparecesse como nuvem,
Que não tivesse destino nem nome -
senão que um sorriso triste
E que nesse sorriso estivessem encerrados
Toda a timidez e todo o espanto
das crianças que não têm rumo...


Manoel de Barros

quinta-feira, 31 de maio de 2012

"Durante toda a vida, eu não podia sequer conceber em meu íntimo outro amor,
e cheguei a tal ponto que, agora,
chego a pensar por vezes que o amor consiste justamente
no direito que o objeto amado voluntariamente nos concede
de exercer tirania sobre ele."


Dostoiévski.
" Nada é mais fácil para essa gente comum, de inteligência restrita,
do que se mostrar original e mesmo exceção, e folgar com essa ilusão,
nunca chegando a perceber o equívoco.
Basta a muita de nossas mocinhas cortarem o cabelo de certo modo
e usarem óculos azuis e se cognominarem de niilistas, para ficarem de vez persuadidas de que, com isso só, obtiveram automaticamente convicções próprias.
Basta a certos cavalheiros sentir o mais leve prurido de qualquer emoção bondosa e humanitária para que imediatamente fiquem persuadidos de que ninguém mais sente o que eles sentiram, e de que formaram a vanguarda da cultura.
Basta a certos indivíduos assimilar uma idéia expressa por outrem, ou ler qualquer página solta, para imediatamente acreditarem que essa é sua a opinião pessoal
espontaneamente brotada do seu cérebro."


Dostoiévski. Em, "O Idiota".
 "Ora veja... é o que sempre acontece às pessoas românticas:
enfeitam uma criatura, até o último momento, com penas de pavão,
e não querem ver, nela, senão o que é bom,
muito embora sentindo tudo ao contrário.
Jamais querem, antecipadamente, dar às coisas o seu devido nome.
Essa simples ideia lhes parece insuportável.
A verdade, repelem-na com todas as forças,
até o momento em que aquela pessoa,
engalanada por elas próprias,
lhes mete um murro na cara."

Dostoiévski.
 Já não quero ser grande, forte, inatingível.Quero ser, por hora, de um tamanho que
eu ainda me reconheça,
que ainda saiba me encontrar no passado
ou um dia no futuro.
Quero ser humana,
quero ser carne e osso,
quero sentir, quero tocar...
quero poder ser isso que sou na medida qualquer do tempo,
estar sempre pronta a me recompor das tempestades;
Não devo estar tão errada...
Há tanta água no oceano que se deixa evaporar
pelo único prazer de voltar a ser uma gota de chuva


Cáh Morandi.
Remexo dentro de mim,
nem sempre é fácil
saber a parte de nós
que ficou no caminho:
toco... faço a ferida arder.
Sentir a ferida, é a maneira
mais rápida de curá-la.
Nada em mim foi covarde,
nem mesmo as desistências:
desistir, ainda que não pareça,
foi meu grande gesto de coragem

Cáh Morandi.
Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta.
De sol quando acorda.
De flor quando ri.
Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda.
Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça,
lambuzando o queixo de sorvete,
melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher.
O tempo é outro.
E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver.
Tem gente que tem cheiro de colo de Deus.
De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul.
Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis.
Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo,
sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso.
Ao lado delas, pode ser abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a gente acordava e encontrava o presente doPapai Noel.
Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu
e daquelas que conseguimos acender na Terra.
Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza.
Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria,
recebendo um buquê de carinhos, abraçando um filhote de urso panda,
tocando com os olhos os olhos da paz.
Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.
Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa, do brinquedo que a gente não largava,
do acalanto que o silêncio canta, de passeio no jardim.
Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atração que realmente nos move não passa só pelo corpo.
Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar.
Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos Deus está conosco,
juntinho ao nosso lado.
E a gente ri grande, que nem menino arteiro.

Carlos Drummond de Andrade.

“Amor é bicho instruído
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo
o sangue que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca

às vezes sara amanhã.”

Carlos Drummond de Andrade.
Além da terra, além do céu,
no trampolim dos sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcedente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.
 
Carlos Drummond de Andrade
 "Amar se aprende amando"

terça-feira, 29 de maio de 2012

"Cada dia uma agonia, um prazer
um riso, um choro
um olhar, um desvio
mentes diferentes cumprindo a rotina

Cada dia menos de você
mais de mim sem saber o porquê
mais dos outros a se envolver
no que deveria ser somente eu e você

Cada dia um recomeço
um meio
um fim
num desses dias te esqueço
te guardo
e refloresço."

Bruna.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

"...Quanto mais alta a sensibilidade,
é mais sutil a capacidade de sentir,
tanto mais absurdamente vibra e estremece com as pequenas coisas.
É preciso uma prodigiosa inteligência para ter angústia ante um dia escuro.
A humanidade, que é pouco sensível,
não se angustia com o tempo,
porque faz sempre tempo;
não sente a chuva senão quando lhe cai em cima."

Bernardo Soares- Fernando Pessoa.
E assim sou, fútil e sensível,
capaz de impulsos violentos e absorventes,
maus e bons, nobres e vis,
mas nunca de um sentimento que subsista,
nunca de uma emoção que continue,
e entre para a substância da alma.
Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa;
uma impaciência da alma consigo mesma,
como com uma criança inoportuna;
um desassossego sempre crescente e sempre igual.
Tudo me interessa e nada me prende.


Bernardo Soares (Fernando Pessoa) - do Livro do Desassossego.
"Ah, o diferente, esse ser especial!
Diferente não é quem pretenda ser.
Esse é um imitador do que ainda não foi imitado, nunca um ser diferente.
Diferente é quem foi dotado de alguns mais e de alguns menos em hora,
momento e lugar errados para os outros.
Que riem de inveja de não serem assim. E de medo de não agüentar, caso um dia venham, a ser. O diferente é um ser sempre mais próximo da perfeição.
O diferente nunca é um chato. Mas é sempre confundido por pessoas menos sensíveis e avisadas. Supondo encontrar um chato onde está um diferente, talentos são rechaçados; vitórias, adiadas; esperanças, mortas. Um diferente medroso, este sim, acaba transformando-se num chato.
Chato é um diferente que não vingou.
Os diferentes muito inteligentes percebem porque os outros não os entendem.
Os diferentes raivosos acabam tendo razão sozinhos, contra o mundo inteiro.
Diferente que se preza entende o porque de quem o agride.
Se o diferente se mediocrizar, mergulhará no complexo de inferioridade.
O diferente paga sempre o preço de estar - mesmo sem querer - alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros e pastores. O diferente suporta e digere a ira do irremediavelmente igual:
a inveja do comum; o ódio do mediano.
O verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão, mas que está sempre certo.
O diferente começa a sofrer cedo, já no primário, onde os demais de mãos dadas,
e até mesmo alguns adultos por omissão,
se unem para transformar o que é peculiaridade e potencial em aleijão e caricatura.
O que é percepção aguçada em : "Puxa, fulano, como você é complicado".
O que é o embrião de um estilo próprio em : "Você não está vendo como todo mundo faz? "
O diferente carrega desde cedo apelidos e marcações os quais acaba incorporando.
Só os diferentes mais fortes do que o mundo se transformaram ( e se transformam)
nos seus grandes modificadores.
Diferente é o que vê mais longe do que o consenso.
O que sente antes mesmo dos demais começarem a perceber.
Diferente é o que se emociona enquanto todos em torno agridem e gargalham.
É o que engorda mais um pouco; chora onde outros xingam; estuda onde outros burram.
Quer onde outros cansam. Espera de onde já não vem. Sonha entre realistas.
Concretiza entre sonhadores. Fala de leite em reunião de bêbados.
Cria onde o hábito rotiniza. Sofre onde os outros ganham.
Diferente é o que fica doendo onde a alegria impera.
Aceita empregos que ninguém supõe.
Perde horas em coisas que só ele sabe importantes.
Engorda onde não deve.
Diz sempre na hora de calar. Cala nas horas erradas.
Não desiste de lutar pela harmonia.
Fala de amor no meio da guerra.
Deixa o adversário fazer o gol, porque gosta mais de jogar do que de ganhar.
Ele aprendeu a superar riso, deboche, escárnio,
e consciência dolorosa de que a média é má porque é igual.
Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados, engordados, magros demais, inteligentes em excesso, bons demais para aquele cargo,
excepcionais, narigudos, barrigudos, joelhudos, de pé grande, de roupas erradas,
cheios de espinhas, de mumunha, de malícia ou de baba.
Aí estão, doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo ser, sendo muito mais.
A alma dos diferentes é feita de uma luz além.
Sua estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os pouco capazes de os sentir entender.
Nessas moradas estão tesouros da ternura humana. De que só os diferentes são capazes.
Não mexa com o amor de um diferente.
A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois."
 
Arthur Távola.